Cacos
Olympio de Azevedo
Fiz cócegas na minha irmã só pra ela parar de chorar. Queimei-me brincando com vela. Fiz bola de chiclete e melequei todo o rosto. Conversei com o espelho, e brinquei de bruxo.
Quis ser astronauta, violonista, mágico, caçador e trapezista. Escondi atrás da cortina e esqueci os pés para fora. Passei trote por telefone. Tomei banho de chuva e acabei me viciando.
Roubei beijos. Confundi sentimentos. Peguei atalho errado e continuo andando pelo desconhecido. Raspei o fundo da panela do arroz carreteiro. Me cortei fazendo a barba apressado. Chorei ouvindo música no ônibus. Já tentei esquecer algumas pessoas, mas descobri que essas são as mais difíceis de esquecer.
Subi escondido no telhado pra tentar pegar estrela. Tive relações sexuais na árvore para roubar a fruta. Caí da escada de bunda. Fiz juras eternas. Escrevi no muro da escola o nome dela. Já chorei sentado no chão do banheiro. Fugi de casa para sempre, e voltei no outro dia. Corri para não deixar alguém chorando.
Fiquei sozinho no meio de mil pessoas sentindo falta de uma só. Já vi pôr-do-sol cor-de-rosa e alaranjado. Já me joguei na piscina sem vontade de voltar. Já bebi uísque até sentir dormente os meus lábios. Já olhei a cidade de cima e mesmo assim não encontrei meu lugar. Já senti o medo no escuro.
Tremi de raiva e nervoso. Quase morri de amor, mas renasci novamente pra ver o sorriso de alguém especial. Já acordei no meio da noite e fiquei com medo de levantar. Apostei em correr descalço na rua. Gritei de felicidade. Roubei rosas num enorme jardim. Apaixonei e achei que era para sempre, mas sempre era um “para sempre” pela metade.
Deitei na grama de madrugada vi a Lua virar Sol. Chorei por ver amigos partindo, mas descobri que logo chegam novos, e a vida é mesmo um ir e vir sem razão. Foram tantas coisas feitas, momentos fotografados pelas lentes da emoção, guardados num baú, chamado coração.
E agora um formulário me interroga? Encosta-me à parede e grita: “Qual sua experiência?”. Essa pergunta ecoa no meu cérebro. Experiência experiência… Será que ser “plantador de sonhos” é uma boa experiência? Não! Talvez eles não saibam ainda colher sorrisos!